sábado, 13 de janeiro de 2007

O Iceberg

     O que poderia justificar uma mudança nesta escala se não algo enorme, frio, apavorante e pior do que tudo quae invísivel. Ou seja um iceberg.

    Um dos candidatos seria a competição selvagem no mercado das privadas. Nos anos FHC a demanda por vagas universitárias no Brasil explodiu, criando expectativas de que o mercado seguiria crescendo a um ritmo muito acelerado por vários anos. Expectativas que atrairam muitos novos atores no mercado, faculdades pequenas, com professores despreparados, sem infra-estrutura, próxima dos alunos e baratas.  Este é um argumento interessante, como poderiam faculdades com orçamentos microscópicos, tendo de investir em infra-estrutura competir com um gigante com orçamento de 200 milhões de reais/ano? O investimento em Marketing da Unisinos supera o orçamento de várias delas, sem contar o lastro financeiro, que permitiria propor produtos com custo baixo por alguns anos.

     Outro candidato foi a crise economica da região de São Leopoldo causada pelo colapso do setor calçadista que reduziu sua produção, ou mesmo migrou para o Nordeste do país atras da mão de obra barata.

     Ou ainda uma conjugação dos dois fatores, a competição acirrada fez com que apenas pessoas vivendo próximo da sede se tornassem alunos, mas o número de pessoas com condições de
 pagar as mensalidades na região em torno de São Leopoldo também diminui, tornando ainda mais severa a crise.


    O fato é que o número de alunos não cresceu conforme as expectativas, e a Universidade na verdade assistiu um declínio no número de ingressos ano após ano. 
Crise financeira acabou inviabilizando a manutenção do modus operandi da instituição
que se viu forçada a mudar. 

     Apesar de ser plausível esta análise não consegue explicar muitas das ações e principalmente 
o momento em que foram adotadas.    

Momento 0

          Resolvi começar esta história pelo ápice, pelo momento de ruptura. 
Foi um destes momentos em que a gente sente o chão tremendo sobre os nossos pés, e consegue
vislumbrar que vamos lembrar dos acontecimentos para sempre. 

           O cenário é o Conselho Universitário (Consun), vários dos personagens centrais estavam reunidos geograficamente em um único 
recinto. A Reitoria vinha adiando este momento, até que a situação não permitia mais adiamentos. 
A decisão havia sido tomada, e o processo de reestruturação sairia da mente de seus criadores
 e tomaria contato com a realidade. 

          O documento a ser apreciado pelo Consun, era um documento obscuro com  
 duas páginas, e como sempre seguia a estrategia, tão bem descrita por Orwell na palavra 
duplipensar, ou seja, justificava um conjunto de ações pela sua antitese. Neste documento 
a Reitoria basicamente abandonava a idéia de administrar a Universidade como uma 
ditadura constitucional e instituiu o arbitrio como regra geral. Além disso implodiu 
com várias níveis hierarquicos de administração concentrando o poder na mão de não
mais do que 8 pessoas.  Naquela reunião, cabia ao Consun a patética tarefa de referendar
o inevitável.

         O vice reitor, que já comandava a nau Unisinos, tem a difícil tarefa de justificar
o injustificável. O discurso começa : "A Reitoria reunida no Retiro em Bento Gonçalves inspirada
na epistola de Paulo ..." visando aumentar a democracia, modernizar a gestão da Universidade,
estava humildemente propondo (na verdade o jogo já estava decidido) uma nova estrutura etc.
Poupo meus leitores dos maçantes detalhes.

       Este discurso carrega algo de novo e de interessante, o fundamentalismo religioso, neste
caso caracterizado pelo uso fora de contexto de uma citação biblica, amalgamado com
o discurso oriundo da nova escola de administração de empresas seriam utilizados para implodir
com uma instituição e com a vida de um sem número de pessoas. Felizmente no Brasil,
a inquisição foi abolida e os maiores danos se situariam no plano financeiro e moral e não
implicaram em violência física.

      Como entender os processos que levaram uma instituição relativamente sólida, com
um patrimônio considerável contando com um quadro de professores com ótima formação
e bem remunerados a se mutilar de forma tão bizarra e inconsequente?

       Mesmo hoje, longe temporalmente e espacialmente do processo não é possível
para mim formar uma imagem clara do que pode ter ocasionado este colapso.
Algumas explicações óbvias, como por exemplo vantagem pessoal, não se sustentam. Dos
arquitetos da reestruturação restaram algumas poucas almas, em geral funcionários
de segundo ou terceiro escalão e os jesuítas.  O bordão da reestruturação era "A Unisinos
é nova por que se renova."  Obviamente os autores do bordão, estão entre os poucos
sobreviventes do processo, os demais acabaram por ser ou demitidos, ou serem atolados
de trabalho.

      Outra explicação, usando uma imagem muito divulgada na época, foi o iceberg. Ou seja
imaginando a Unisinos como uma versão subtropical do Titanic, a culpa pelo acidente seria
o iceberg. Mas o que seria o iceberg?  Para responder esta pergunta preciso de um novo post.

          

     

Introdução

      Eu resolvi passado um ano da minha demissão da Unisinos,  reunir uma série de reflexões sobre esta experiência. Preferi 
deixar o tempo fluir para poder olhar com a sabedoria que  o tempo nos confere os eventos pelos quais passamos e tentar entender a motivação dos atores envolvidos e as consequências de suas ações.

      Não gostaria muito de fazer um relato melodramático, ainda que as vezes acho que isto vai acabar surgindo, mas sim uma análise tranquila de dias muito turbulentos, criativos e que acabaram por se mostrar em muitos aspectos estereis.

      Muitas vezes enquanto vivemos não temos tempo de perceber o caráter único de algumas de nossas experiências, tendemos a extender em nossa imaginação para passado e futuro remotos as nossas condições atuais.  O final do século XX e o início do XXI foram marcados por alguns eventos macroeconômicos, sociais, religiosos e políticos que não possuem precedentes na história.

     Uma análise da trajetória da Unisinos nos últimos 5 anos, em muito colaboraria para demonstrar vários destes aspectos. Mesmo que eu não tenha esta pretensão, acredito que uma visão parcial de alguém que vivenciou este processo possa ser de algum interesse. Eis aí a idéia deste blog, uma versão aventuresca de minha trajetória na Unisinos e algumas reflexões sobre a falência de um modelo de educação.